terça-feira, janeiro 31, 2006

Hipodérmico II


Tinha uma coisa muito escura ali dentro, como se fechasse os olhos e visse nada, nem aquilo de várias misturas de cores imprimidas no vazio ou simplesmente o lado de dentro das pálpebras. Olhava fixo para isso com as pupilas enquanto driblava as amarras, encontrando uma saída inédita, um esconderijo indecifrável, uma fenda do universo, bem ali, no canto. Para trás uma quantidade de cheiros, assim expelidos, chupados para o lado de dentro. Não exatamente uma porta nem uma janela, mais uma boca entreaberta banguela e babada. Não aquilo complicado de labirintos e exponencialidades geométricas, sem curvas, linearidades ascendentes-descendentes, só des-invaginação, sucção às avessas, fazendo assim aquele biquinho com os beiços de quando se bebe caldinho de sopa no fundo do prato, e mesmo ainda na colher quando ainda muito quente. Antípoda daquilo de melação suada no ônibus muito cheio, roupa grudando e o mundo comprimindo demais nosso corpo, quase contradição atômica e espacial. Mas ali na verdade um calor confortável de cobertor e cama com lençóis, calor de colo e beijo na boca, sem chamas. Assim engolido por um hálito novo, quente, inabitável entretanto, quase vazio, de dentro do lado de fora. A calmaria do cessar fogo, alvorada sobre os corpos mutilados, sobre as ruínas do vandalismo suicida, escombros, restos de arrogância, de intempestividade. Lanche matinal de abutres e o mesmo vento orvalhado. Nada de suásticas, palavrões, destrutividades injuriosas, apenas o corpo liso ejaculado e adormecido, o sono subtraído de suas obscenidades.