sábado, dezembro 31, 2005

ALEGRIA ALEGRIA!

Nunca embasbaquei por essas coisas de pôr-do-sol, nunca suspirei com merda nenhuma. Tive muita raiva sim, muito rancor escancarado nos olhos e quis vomitar bosta em tudo, estrangular muitas gargantas. Paixão em mim houve potencialmente o ódio, escondido atrás da apatia. Entediei muito rápido, mas quase sempre fingi tolerância, outras vezes amor. Amor um caralho! Tive tempo suficiente pra ver a doença parasitária e essencial das coisas. Ficar parado observando transtornava-me, irritava meus nervos. Onde havia simbiose via apenas vício, covardia e dependência. Queria chutar alguma parede, estourar o plasma daquela alucinação, soltar um sopro forte e me empurrar pra fora. Acordar de manhã com uma mancha amarela e estúpida na janela lateral do quarto de dormir, tanto asco na mediocridade reluzente do verão, barulho de crianças balbuciando sua inocência cruel, os velhos fedidos com seus bichinhos de estimação e plantas. Gente morrendo, apodrecendo, passeando, infestando as padarias na hora do pão, atropelando cadáveres de baratas, limpando o cu, enchendo as lixeiras de modes e hemorragia, muitas latas de lixo, muitas vacas e porcos esquartejados no açougue, e aquele cheiro insuportável da fome deprimente temperada com alho, sal e montes de banha. Mais nojentos ainda o esnobismo dos escoteiros, naturalistas e os peidos de alface dos vegetarianos, mais idiotas os pragmatistas, sofistas e metafísicos; alucinados os matemáticos, desnaturados-sem-mãe os niilistas nietzscheanos, poetas da puta-que-os-pariu. A escrotidão patina na lama, come cocô. As flores são caralhos ridículos e psicodélicos que esses tarados enfiam na cara quando se julgam molestados pelo sadismo místico do amor, quando apertam o peito numa encenação de felicidade, enquanto dilaceram seus mais profundos mecanismos de dor. Há um imenso grito de sofrimento, cada gesto representa a mais sinistra tortura da consciência. Precisaria não encostar em nada, desgrudar-me da gosma que cola-me à vida, ou estuprar as sutilezas, violentar a resignação, morder os cérebros dos evangélicos, socar talhadeiras nas bocas esfomeadas, tocar fogo nas cabeleiras muito bem escovadas das prostitutas de vitrines, mijar nas bundas dos paralíticos, chacinar todos os enamorados, sodomizar os velhos e as criancinhas, descampar florestas tropicais, ou explodir a lua.

quinta-feira, dezembro 29, 2005

CARDIOPATIA (outro pedaço)

...A vida era uma bosta porque não tirava nada do lugar. Como se um torpor doentio se apossasse das teias de nossa existência e nos consumisse em paralisia dormente. Tudo foi aos poucos se adaptando aos cantos, arrastando-se desorganisadamente para uma imobilidade rançosa. Os projetos fundiram-se numa empoeirada pilha de impressos, um bloco de gordura e tocos de cigarro acolhiam-se à sujeira. Sempre a sensação de um trabalho pelas metades, impregnando a vida. Tudo encostado, deixado pra lá. Uns três livros marcados no meio. A preguiça, o descaso, o desamparo em que vivíamos era sintomático da nossa loucura. Isso era meu, entretanto. As pessoas contaminavam-se nessa armadilha, por se aproximarem. Levei isso comigo para sempre até o inferno, dentro das gavetas, nos trabalhos, dívidas, drogas, vícios. Baguncei tudo, mandei tudo à merda. Meu pai costumava me dizer, antes de bater as botas, que desde feto eu já era um cagão, maricas. Chorava alto na barriga da velha o tempo todo... “Um berreiro de merda! Vai ser veado! E ponho logo na rua... Caralho!” Apontava para mamãe que respondia com educada e ridícula passividade. Morreu antes de engolir os desaforos. Encheu-se de ervas inúteis para curar a septicemia, manias da roça... Ficou com as bochechas cheias, como se chupasse dois ovos de avestruz. A infecção na gengiva apodreceu sua boca. Enterraram o corpo e eu fiquei com a farda de me parecer com um homem muito bom, honesto, puro, que morreu tão cedo, coitado... Caipira demais! Não fui ao enterro. Brincar era mais importante. Mas virei um bosta de verdade, como avisou. Sua morte egoísta, de alguma maneira, me enfilerou nessa auto-complacência ridícula dos melancólicos inválidos e reclamões...

domingo, dezembro 25, 2005

TUDO NOVO DE NOVO

O móvel bonito da sala lembrava a infância, com almofadas bem grandes, onde escondíamos os brinquedos, impregnadas dos peidos atleticanos de outra época mais farta, alguma cerveja, não muitas, suficiente para duas ou três travessas de amendoim. “Sucupira legítima!” dizia meu tio já um tanto bêbado, não muito, suficiente para cinco ou seis frases improvisadas. No cantinho um som desses vitrine-pontofrio, cintilando enfeites digitalizados, dançando a música, voz-muito-bonita-do-miltomnascimento. ...quem será que ganha eleição... acho que o Lula foi corrompido... é preciso buscar mais amor no mundo... fulano está internado por causa de drogas... já ouviu aquela do português... esse ano passou rápido demais... não coloca muita coca pra mim, só um pouquinho... dizem que na próxima novela ele vai ser homossexual... difícil para um pai... Vovô encostado, primeiro olhando com certa seriedade o sapato sem cadarços, presente do Papai-Noel... como firmar os pés? Depois, olhos fechados, muito concentrado, triste, decepcionado com brasileirão, zzzzzzzz... Fotos da França, máquina digital, quinze só da Torre Eiffel, duas do museu, Monet... uma pena que estas tenham ficado embaçadas. Mistério nos embrulhos ao pé da árvore de bolotas brilhantes, só um pouco, na verdade dois canivetes suíços [hi,hi, coincidência], agenda, porta-retrato, cd do Caetano, coleção Milenium... como foi que adivinhou? Casa toda colorida, lambuzada de doces, três que se juntaram ao palpite do velho... cansados, coitados! Já quase duas também... Feliz natal, ano novo, tudo novo de novo...

sexta-feira, dezembro 09, 2005

SNIIIIFFFF.


Frio na barriga, calafrios. O sorriso pálido da madrugada e a gangorra em queda livre, antes até o mais alto de ver de cima o chão gramado, as correntes geladas nas mãos suadas por um desespero agradável. Na beira do abismo o buraco olhando pra cima, aumentando os das pupilas. Agitação psicomotora, formigamento, e o silêncio vaso constritor. O corpo inteiro explodindo, nervoso, bombadas no peito. Tudo em ebulição e descompasso. Dentro da boca a matéria do mundo mastigada, mordida entre os dentes e os lugares inabitáveis. Conversão centro-gravitacional para a mandíbula comprimida. Correr ladeira abaixo, jogar os ossos para frente martelando o vento, impulsionado, quase atirado, despedaçando-se com violência e velocidade. Um gosto escuro na língua, a fome também transmutada em medo, engolida pelo estômago. Mais que depressa, como estupro que não espera nosso orgasmo, atravessa as paredes e vai. Ficamos eufóricos, sedentos, fissurados, arriados nas calças, de quatro, antes que estilhaçados pelo sol e sucumbidos pelos passarinhos malditos.