quinta-feira, abril 20, 2006


Claro que parte da obviedade naquilo consistia em saber olhar de modo antecipativo. Era preciso calcular em silêncio, sem denunciar-se com movimentos e gestos imprecisos, manter principalmente os olhos em mediania entre os ângulos oblíquos e agudos, e nem de muito longe nem de muito perto da coisa. Encenar não apenas indiferença, mas mesmo certo descaso acidental, como se balbuciasse planos muito ingênuos. Deixar que vissem dentro, que adivinhassem até certo ponto, jogando iscas e armadilhas em todas as possibilidades, mesmo as mais plausíveis e reais, contanto que se mantivesse pronto para recuar e abrir flancos inéditos. Era um risco ambíguo, e de fato ficava naquela espécie de aporia insaturada, entre uma quantidade irrevogável de mentiras infinitas. Precipitar-se era cortar a equação engolindo suas reticências, constituía o primeiro passo e a dica suficiente, o começo do fim. Importava mesmo mirar apenas dentro, nem pros lados, nem pra frente, nem pra trás, apenas introjetado nos desdobramentos de uma mutilação abstrata do tempo. Montar a armadilha e esperar. Ser principalmente rijo nisso, em não abocanhar a presa por aflição, mas deixá-la construir calmamente seus muros dentro de nossa gaiola. Controlava hipoteticamente tudo e tinha para qualquer incógnita uma função, embora fosse ainda nisso mesmo previsto, mas nesse caso sobrejetivamente adiantado à consciência, quase como Lucky Luke, que na virtude do gatilho atirava mais rápido que a própria sombra. E de tão rápido e tão esperto, prevenindo-se sabiamente, naquilo de antecipar-se a si mesmo e se jogar como alvo da própria mira, estava já de volta para cuidar de suas defesas, atirando na sombra e desviando da bala. Trucava até de frente pro espelho e pedia seis. Dissimulado, inalcançável. Fazia simplesmente antecipar e manter severidade na espera entediante da subjugação total e absoluta. Só que de tão molhado e mau encarado acabou ficando mesmo por ali, no canto do aquário.

Um comentário:

Alex Lara disse...

Bom, melhor q os últimos. Principalmente pq tem pelo menos um pequeno enredo, um pequeno desenrolar, e não são mais frases ou máximas soltas e perdidas, como o lance do hipotálamo (rs). Bom, achei bacana esse lance de atirar na própria sombra, e continuaria a fazer esse tipo de relação... "como se fosse até a linha de fundo cruzar a bola e corresse para cabeceá-la." "choraria sua própria morte, rezaria no sétimo dia."... pensei em outros semelhantes, mas isso ta ficando grande demais. Mas a idéia central continua sendo a auto-referência, dessa vez envolvendo um tipo de auto-refutação impossível (pragmatica ou performaticamente).